domingo, 3 de janeiro de 2010

Frente ao paredón (1)

Imagen: Tormenta interior - Olga de Lucia.

Lí Fausto várias vezes, linha a linha, letra a letra e não consigo entender. Vou me refugiar entre as lágrimas que o Quixote me provoca, talvez porque não seja mais que um Alonso Quijano na trama do outro. Aperto minhas têmporas tentando não escutar, porém os gritos do ato de repúdio passam pelos meus dedos. As batidas na porta dados pelas pedras, os ovos podres, o excremento, arrancam de meus olhos mais duas lágrimas. Os cartazes na cerca em frente conduzem ao passado, o passado que se repete mais de uma vez: "Paredón, paredón, paredón!".

Hoje como ontem continua sendo o mesmo povo, com a diferença de que hoje são poucos os que pensam e levam e são maioria os que se deixam levar. Quem poderá apagar de nossa história aqueles jovens que desde o triunfo da Revolução Cubana, como profetas, deram conta para onde íamos parar: Manolito, Luis, José, Germán...Germán...caramba, Germán.

Jamais poderá ser esquecida aquela tarde, ficará no tempo, quando no meio do pátio cheio reuniram toda a comunidade: - "Pegamos esses revoltosos que tiravam as proclamas e os cartazes". - "Peguem-nos, peguem-nos...!" - dizia a turba, "Peguem-nos", e correram para as casas em busca de mesas para improvisar uma pequena plataforma. Também lá estava Elvira que agitava os braços e portava-se como diretora daquela orquestra. "-Paredón, paredón, levem-no ao paredón", "- Peguem-no, peguem-no", continua gritando a turba. "-Matem-no! Paredón, paredón...!" - continuava gritando.

Chegou então um oficial pouco graduado, que porém para os primeiros tempos dos anos sessenta daquele século passado era como uma grande divindade, nada mais do que tenente, e pediu calma: "- Vocês o pediram". Desceram Germán do jeep, que não chegou a subir na plataforma. A turba já não olhava o oficial nem o detido. Todos assustados acudiam Elvira que havia desmaiado." -Água, água; ar, ar...! conseguia-se escutar. "- Já volta, já volta", diziam. Ela tomou suas mãos e apertou-as com força em forma de cruz sobre seu peito: "meu Deus, meu Deus, meu Deus, pedí que levassem meu próprio filho ao paredón! ".

Félix Navarro, prisioneiro de consciência. Texto ditado por telefone da prisão provincial de Ciego de Ávila, Cuba.

Bookmark and Share


Nenhum comentário:

Postar um comentário