
Imagem: Castigo dos ladrões, de Blake
Todos nos lamentamos de algo ainda que seja uma vez na vida e no cativeiro, creiam-me, isso ocorre com maior frequência do que em liberdade. No meu caso me arrependo muito de não haver ido neste 6 anos e 5 meses nem uma vez às matinais que se realizam todas as semanas nas prisões em que estive. Meu prejuizo infantil é considerar este atos políticos, quando na realidade não deixam de ser um insulto à inteligência do mais medíocre dos homens.
Hoje, enquanto tomava banho para me refrescar deste duro calor de verão, escutei um preso comum, Javier Pérez Piñeiro, exclamar: -Na verdade este diretor de Canaleta é um bárbaro. Vocês acreditam que o Tte. Coronel Reineiro Díaz Betancourt disse numa reunião matinal que ele não pode comer a comida que dão para nós? Eu refleti e estou certo que jamais, em toda sua vida, este militar de vasta experiência no Ministério do Interior no ramo de cárceres e prisões, haja dito uma verdade tão absoluta.
Faz duas ou tres semanas aqui, em Canaleta, estavam dando no menú feijões pretos, prato predileto do cubano comum. Imagine então para os presos que não tem outra opção do que a que lhes proporcionam os militares. Hoje, quando ia começar a ingerir minha sopa, alguém gritou: - Cavalheiro, estes feijões tem vermes. Meu estômago ficou em frangalhos e a mente atrofiou-se por uns segundos. Ao reagir chamei o funcionário de ordem interna e este o reeducador do meu pavilhão. Em seguida apareceu um militar com um bracelete que o identificava como ajudante do oficial superior. Para ele e para a guarda do corredor, mostrei minha ração dos grãos e estou convencido que ambos se impressionaram ao ver os vermezinhos mortos bailando um reguetón no estilo de Dali Yam na superfície do caldo.
Eu não me satisfiz com ele. Precisava ver Reineiro Díaz Betancourt. Não pôde ser. O chefe do destacamento mandou passar pelas 8 da noite. já havia ocorrido a contagem. Eu de bobeira ou por cansaço havia jogado fora os asquerosos feijões e disso também me arrependo. Joel Prado, o reeducador, informou-me que o problema estava solucionado. Que Reineiro Díaz Betancourt sabia do caso, porém me incriminou por me haver desfeito da minha prova contundente. Só me lembro haver-lhe dito: - não se preocupe, não voltará a acontecer, eu garanto.
Nesse dia não almocei. Não pude. E da comida só comi o pedacinho de frango que me dão como dieta. Devo esclarecer qie minha doença é paradóxica: não posso perder peso corporal devido a doença renal que sofro. Tampouco posso aumentar de peso devido a operação no joelho direito devido a luxação múltipla causada por não pegar sol durante meus primeiros 18 meses de cativeiro na tenebrosa prisão Agüica e para completar não posso ingerir uma série de alimentos por padecer de uma gastroenterite crônica. Coisa de louco, porém devo seguir adiante.
Outro dia desapareceram por mágica os feijões e começaram a dar ervilha. A alegria em casa de pobre dura muito pouco. Hoje, 12 de agosto, o réu comum, Abelardo Requeo Peñeranda, descobriu no caldo de ervilha, gorgulho, e deu o grito de alarme. À ele somou-se Hortelio Vázquez Santana, Heriberto Castillo Sánchez e Pedro Julio Ferrer Rodríguez. Todos encontraram, ao menos, um bichinho no alimento. Pedro Julio Ferrer Rodríguez disse: - ainda que encontre um rato morto eu como esta comida. Sou benévolo e não tenho mais opção. Senti pena por ele. Não almocei, tampouco comi. Porém nas prisões cubanas ninguém morre de fome, com certeza.
De não ter minhas visitas a cada 30 dias, possivelmente já passei pela segunda vez pela sala de cirurgia. Agora recordo que nos meus primeiros 35 dias de prisão perdi umas 25 libras. Isto fez com que meu rim direito descesse ao extremo de ainda não poder me recuperar depois de 6 anos e 5 meses. Agora espero que chegue a hora do almoço de amanhã para colher as provas de que preciso e as guardarei até que veja um militar de maior graduação que Joel Prado, o reeducador. Inclusive pedirei para ver o chefe de serviços médicos da prisão ainda que saiba perfeitamente que todos se cobrem com a mesma toalha.
Também tenho que ter muito tato pois os presos as vezes não compreeedem que necessitam comer feijões, ervilhas, que é o melhor que lhes dão durante todo o ano.
Para finalizar coloco uma pergunta sobre o tapete: Num cárcere com mais de 1100 presos não pode haver um grupo para escolher os grãos que alimentam o resto da população penal? Essa interrogativa talvez amanhã possa saber.
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