quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

A educação: Instrumento de dominação ideológica (segunda parte)


Imagem: A vendedora de flores - Diego Rivera (1938)

Por Adolfo Fernández Saínz, Prisioneiro desde a Primavera Negra de 2003, Prisão de Canaleta em Ciego de Ávila.

Massificação e Bolsas de Estudo

Por volta de 1970 houve a explosão da massificação. A população havia crescido muito e com as novas oportunidades de estudo a grande afluência de estudantes trouxe consigo uma aguda escassez de professores. Foi então que se generalizou a prática de formar professores de emergência que foi revivida nestes últimos anos.

Recordo bem a evolução do recrutamento para o destacamento pedagógico Manuel Ascunce. Nessa época eu mesmo era professor e primeiro vieram pedindo voluntários entre meus alunos da secundária básica para torna-los professores de cursos emergenciais. No princípio a captação era voluntária, logo foram ameaçando muitos para dar o passo à frente apelando para sua consciência revolucionária. Pressionavam-nos bastante, sobretudo os membros das organizações juvenis para que aceitassem. Quando alguns se negavam abertamente porque não gostavam do magistério e o recrutamento não avançava na velocidade desejada, diziam-lhes que era obrigatório. Os levavam à reuniões maratônicas tratando de convencê-los, a pressão nelas exercida era insuportável. Depois de muitas horas acabava a reunião e finalmente todos haviam aceitado. Em seus olhos se lia que haviam sido coagidos. Muitos optavam por estudar magistério para sair da situação, do verdadeiro apuro em que os colocavam; outros por agradecimento à Revolução ainda que sua vocação fosse outra muito diferente. A maioria graduou-se e exerceu o magistério sem gostar.

Ao descontentamento e à falta de vocação somou-se a improvisação. Professores de cursos emergenciais, récem graduados e muito jovens - quase da mesma idade dos seus alunos - enfrentavam uma tarefa que muitas vezes os vencia. Entronizou-se o costume dos professores terem relações sexuais com suas alunas. Se antes o professor que incorresse nestes intercâmbios amorosos era expulso por imoralidade, agora ocorria com maior frequencia. Tudo se complicou mais com a política de que todos os alunos tinham que se formar muito jovens.

Quando se falou sobre bolsas de estudo pela primeira vez todo o mundo as viu como a grande oportunidade para os filhos de famílias muito pobres estudarem uma carreira universitária que pudesse tirar a família da pobreza para sempre. Dava-se a bolsa àquele aluno que por uma razão ou outra queria estudar interno, ou porque os pais trabalhavam, porque vivia muito afastado ou porque gostava desse tipo de regime para aproveitar melhor o tempo. Porém em todos os casos era uma decisão livre e quem poderia ser contra? Não obstante, com o o tempo a bolsa se converteu numa grande escravidão. O que a princípio foi visto com grande entusiasmo logo foi muito odiado. De sinônimo de "oportunidade" a bolsa passou a ser sinônimo de "clausura".

Entre os primeiros jovens bolsistas naqueles anos da Revolução, estavam umas garotas que vinham da Serra Maestra e iam à Havana estudar corte e costura. As hospedaram nas melhores residências de Miramar, que as famílias mais abastadas do país tinham abandonado em seu êxodo. Não se precisa ser muito esperto para imaginar como seus pais se sentiram orgulhosos, certamente muito pobres e que talvez nunca houvessem podido viajar para a capital cubana, vendo suas filhas vivendo em mansões e em bairros à que eles nunca houveram podido aspirar nem no mais delirante dos sonhos. Precisamente para causar este efeito estava orientada a grande propaganda "Os ricos e os exploradores quiseram voltar para tirar-nos esta belíssima oportunidade que a Revolução nos deu". Passada a febre do momento, os sucessivos cursos de estudantes receberam bolsas em outros lugares e as luxuosas residências foram para usos diferentes. Nunca mais ouvia falar das costureiras, nem jamais escutei essa palavra na fraseologia oficial.

Em meados dos anos sessenta havia milhares de bolsistas do préuniversitário na praia de Tarará. Para um jovem egresso do nono grau da província, ir estudar em Havana significava um grande adianto, ainda que a maioria estivesse alí contra a sua vontade e houvesse preferido o préuniversitário externo, porém não havia outra opção para eles nem para seus pais. Alí se depararam com uma disciplina militar muito estrita e com personagens muito extremistas num exacerbado combate ideológico contra as crenças religiosas e certas modas tidas como inconvenientes. Os pais que estavam em desacordo com a bolsa forçada dos seus filhos, suspiravam resignados e diziam que pelo menos os rapazes não estavam perdendo tempo e iam se preparando para o futuro. Recordo que em seus dias de licença, alguns daqueles bolsistas falavam conosco, seus amigos, e se lamentavam amargamente por estarem internos. O que mais invejavam nos estudantes externos - que por sermos maiores não havíamos sido bolsistas - era nosso regime mais flexível. Nos contavam que os encarregados da disciplina militar eram elementos muito extremistas, que se divertiam em colocar-lhes referências para que respondessem ante cortes disciplinares, com perigo de perderem a licença para casa tão apreciada por eles.

Quanto mais inflexíveis e intransigentes fossem estes responsáveis pela disciplina, mais rápido ascendiam naquela hierarquia semi-militar.

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