sexta-feira, 9 de julho de 2010

Do MP4 ao Silêncio


Hoje pode ser um dia especial e de fato é. Além do encontro íntimo, minha inigualável parceira me entregou uma carta emotiva do apresentador da televisão holandesa, Sebastián Lebriel, a qual respoderei logo através do blog Voz tras las rejas.

Muito bom para ser verdade, pensei. Trinta minutos depois de regressar do pavilhão (de visitas íntimas) o funcionário de ordem interna do destacamento 3 me informou que deveria acompanhá-lo até o pavimento situado na entrada da penitenciária. Algo vai mal, pensei. Esqueci por completo do diálogo da igreja católica cubana e o governo a favor dos presos poíticos cubanos. Talvez estes mais de 7 anos de prisão, sofrendo e padecendo o lado mais obscuro do ser humano, tenham ativado minha intuição. O cheiro de bola nestes dias da Copa do Mundo não me falhou. Fui conduzido à sala dos advogados e fiquei a mercê, nada mais nada menos, do administrador da Segurança do Estado, Agustín, encarregado de cárceres e prisões nesta província de Ciego de Ávila. Além do tristemente célebre Tte. Coronel José Mariño, Chefe de Operações da Polícia Política e responsável máximo pelas operações e levantamentos nos domicílios de Pedro Argüelles Morales e no meu, nos dias 18 e 19 de março de 2003.

Se digo que não me assustei hoje sou um grande mentiroso. Mesmo assim se digo que não pressagiei algo maligno enganaria a mim mesmo. O resultado da minha imaginação foi positivo. Os oficiais da Segurança do Estado me comunicaram que graças a diversas fontes de informação sabiam que eu possuía uma memória e estes equipamentos são proibidos nas prisões cubanas. Portanto devia entregá-la e eles se responsabilizariam em devolve-lo à Oleidis. Concordei sem reclamar, todavia a baixeza colocou em mim um sorriso irônico que surpreendeu meus verdugos principais.

É incrivel para a comunidade internacional que nos centros penitenciários desta ilha se proibam além das câmeras de vídeo ou fotográficas, rádios, DVD, gravadores, ventiladores e celulares, e os telefones que funcionam para os reclusos estão restritos e monitorados constantemente. A isto se acrescentam as memórias, IPod, MP3 e MP4.

O curioso desta história é que meu MP4 de 4 GB só serve para escutar música, jogar jogos de habilidade mental e arquivar o álbum de fotos da minha querida família. Terei que prescindir, a partir de hoje, do mais ansiado por mim neste lugar tétrico. Até esta insignificância preocupa os informantes do Departamento Técnico de Investigações, Ordem Interna, Controle Interno e Segurança de Estado, neste destacamento B da prisão provincial de Canaletas em Ciego de Ávila, principalmente na galeria 43.

É possivel que o responsável por tanta delação precise de dia após dia atrás de mim, inclusive para denunciar à seus fãs quando violam arbitrariamente seus direitos. Talvez enquanto gravo esta crônica o artífice de tão valiosa informação a escute e a aplauda. Sua falta de valor humano deixa muito a desejar. Ainda assim estou disposto a ajudá-lo em tudo que puder, porém por favor, não aceito que ninguém engane minha inteligência. Sou por natureza solidário e se algo aprendi nestes 87 meses de cativeiro foi perdoar meus semelhantes. Do contrário tanta miséria humana perde o sentido. Mais ainda se levarmos em conta que esta espécie de homem não passa de simples peão no jogo político do atual governo, muito comum nos cárceres cubanos.

Sebastián Larie tem muita razão quando me disse em sua carta que é terrivel que tenha que acontecer nesta vida uma luta tão injusta. Porém, meu querido amigo, se não sou eu serão outros, enquanto existir maldade neste mundo haverão homens e mulheres dispostos a combatê-la. Disso não tenho a menor dúvida.

Agora estou além de privado de liberdade, privado de jogar, privado de escutar música e privado de ver diáriamente as fotos da minha Odeilis e do meu filho único, Jimmy. Porém não importa, terei mais tempo para continuar realizando o que me levou à prisão: escrever o que dita a minha consciência e denunciar as constantes violações dos direitos humanos em Cuba.

Pablo Pacheco, Prisioneiro de consciência

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